O Governo Federal tem falado sobre “adoção de idosos” com a justificativa do envelhecimento populacional no Brasil e, especialmente, com o reconhecimento de que, cada vez mais, teremos idosos sem relações familiares ou afetivas que possam ampará-los.
A proposta é alterar o Estatuto do Idoso para que pessoas em vulnerabilidade (especialmente abandono) e, lúcidas, sejam adotadas a partir da sua manifestação de vontade. Então, teríamos como pré-requisito a capacidade do idoso em manifestar sua vontade de ser adotada por determinada pessoa.
Particularmente, não vejo como possível usarmos o instituto da adoção para buscar um meio de salvaguardar cuidado e atenção à população idosa. Creio que existam outras formas de lidar com esta questão e ela passa por uma discussão profunda sobre o papel do poder público, das famílias e do próprio indivíduo com relação ao envelhecimento e à atenção que a pessoa idosa irá demandar em algum momento. Uns precisarão de auxílio logo aos sessenta anos, outros irão chamar esta necessidade apenas nos últimos anos de vida, quando o organismo realmente apresenta os sinais da passagem do tempo de alguma forma, atingindo a cognição ou a parte física.
Fiz uma pesquisa sobre a “adoção de pessoas idosas” e não consegui encontrar qualquer previsão desta especificidade jurídica em outros países. No Brasil, temos um único caso. O da cuidadora Gláucia Gomes, que adotou uma senhora que era moradora do hospital onde trabalhou. A senhora, conhecida como Cotinha, entrou naquele hospital aos 4 anos, após um acidente. Não apareceu família, não sabiam o nome dela, não conseguiram fazer nada ao longo de mais de 50 anos. E Cotinha foi ficando... até que o hospital comunicou seu fechamento. Cuidadora e idosa foram morar juntas e como a senhora não possuía qualquer documentação, nome ou cadastro, foi realizada a adoção. Assim, foi lavrada uma certidão de nascimento, onde a cuidadora consta como mãe da idosa, que assumiu o nome de Maria e o sobrenome da cuidadora. Este é o único caso registrado no Brasil.
Existem muitas histórias de “adoção afetiva”, que acontecem quando alguém assume os cuidados de uma pessoa idosa, geralmente vítima de maus tratos ou negligência da própria família. Mas não há a adoção formal, nem a mudança da condição civil e patrimonial de nenhum dos envolvidos.
Quando falamos em adoção, quando usamos o nome de um instrumento jurídico que já existe e é aplicável para crianças e adolescentes – e para adultos – poder causar uma confusão. Isso porque na adoção é imprescindível que o adotante seja mais velho que o adotado. Para adoção de crianças e adolescentes, existe a necessidade de uma diferença mínima de 16 anos.
A adoção de adultos não exige esta diferença mínima de idade, mas é preciso um processo judicial e uma sentença constitutiva e que o adotante seja mais velho que o adotado. É um processo usado mais comumente entre padrastos e madrastas e seus enteados (onde já se verifica a determinação de dois pais ou duas mães para a mesma pessoa) ou também é usado para a adoção entre tutores e afilhados, aqui o exemplo é da criança abrigada que envelhecem e não são adotadas, mas mantém uma relação de apadrinhamento com um adulto ou uma família. Ao perceber que o tempo de abrigamento daquele adolescente irá terminar com a chegada dos 18 anos, o padrinho busca a adoção para efetivar a relação de afeto construída ao longo dos anos.
Quando a proposta de adoção de idosos surge, é preciso considerar que o primeiro quesito – que é o adotante ser mais velho que o adotado – é invertido. A proposta é que pessoas mais novas adotem pessoas mais velhas, assumindo responsabilidades de cuidado, de afeto e de cumprir com as obrigações determinadas à família no Estatuto do Idoso.
Tenho alguns questionamentos desde que passei a ler sobre o tema, sobre posicionamentos a respeito, que vou dividir com vocês:
- Quem adota um idoso, será considerado seu pai ou mãe? Ou neste novo instrumento, o adotante será considerado um tutor ou um guardião?
- Se o idoso possui patrimônio ou, ainda, um saldo bancário, quem será seu herdeiro? Pois mesmo que não existam filhos, não podemos esquecer as regras de sucessão estabelecidas no Código Civil. E, ainda, por mais que os filhos do idoso tenham sido negligentes, a perda do direito de herdar acontece apenas depois de um processo próprio analisar este pedido.
- A adoção retira parte da capacidade civil do idoso adotado? Ou isto será preservado?
- Como será o acompanhamento e a fiscalização destas adoções?
- Se o adotante falece antes do adotado – porque esta é uma possibilidade – a responsabilidade do cuidado e a relação deste adotado será reconhecida e transferida para outro membro da família? Por exemplo: se o adotante possuía filhos, o idoso adotado será considerado irmão destes? E estes irmãos passam a ser responsáveis pelos cuidados deste idoso adotado?
Precisamos pensar em meios de cuidar das pessoas idosas, de manter e construir vínculos familiares, especialmente no país onde o envelhecimento populacional é uma realidade que não dá pra ser contestado e precisa ser pauta diária na sociedade.
Penso que a adoção não seria o meio mais adequado. É possível pensar em tutores, famílias guardiãs ou acolhedoras. A institucionalização, hoje, é o único meio possível quando a relação familiar inexiste ou vira a principal fonte de risco à integridade e segurança ao idoso.
É preciso enfrentar os temas do envelhecimento e seus reflexos de frente, mas de maneira responsável e consciente. Estamos habituados a “correr” com soluções e saídas legislativas quando os problemas se estabelecem, quando deveríamos pensar em mudanças e propostas bem estruturadas, considerando as especificidades da parcela da população que será atingida, as diferenças culturais que impactam no envelhecimento, na estrutura das famílias e no papel do idoso nessas estruturas.