Quando nos casamos, escolhemos o regime de bens que vai reger as questões patrimoniais entre os cônjuges. E até dia 01 de fevereiro de 2024, esse poder de escolha existia apenas para pessoas com mais de 18 e menos de 70 anos. Isso porque o artigo 1.641, II do código civil determina a separação de bens para pessoas com 70 anos ou mais e baseia-se no objetivo de “preservar o patrimônio” dessas pessoas.
É como se a lei afirmasse que, a partir dos 70 anos, a pessoa não tivesse mais capacidade para entender as implicações de cada regime de bens ou que não pudesse tomar as próprias decisões da sua vida conjugal.
Ao longo dos anos, com o aumento da expectativa de vida e com a velhice sendo vivenciada com mais acesso à saúde e a preservação da cognição, a discussão sobre essa limitação foi crescendo no meio jurídico. O entendimento é que essa imposição é uma afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade.
Gosto de dar um exemplo que deixa tudo bem claro:
Lula se casou com a Janja em maio de 2022. Ele tinha 76 anos e ela 55. Naquele momento ele não pode escolher seu regime de bens e, necessariamente, casou-se sob o regime de separação de bens. O casamento aconteceu no ano em que ele foi eleito Presidente do Brasil e o código civil tira dele a autonomia para decidir sobre a própria vida conjugal.
Essa questão chegou no Supremo Tribunal Federal que se posicionou sobre o tema. Vou tentar excluir o juridiquês para contar o que decidiram.
Para quem ainda vai casar ou registrar a união estável:
- A obrigação do regime de separação total de bens para pessoa com 70 anos ou mais ainda está vigente;
- Os cônjuges podem optar por um regime diferente registrando em pacto antenupcial ou em escritura pública de união estável;
- Então, se o casal não registra o tipo de regime que escolheu, seguirá com o regime de separação de bens.
Para aqueles que já estão casados ou já possuem a união estável:
- Permanece vigendo o regime de separação de bens;
- Se o casal quiser trocar o regime de bens, precisará ingressar com pedido judicial, seguindo a orientação do artigo 1.639, §2º;
- Nos casos da União Estável não há orientação na decisão do STF. Por ser lavrada em escritura pública, talvez a alteração seja possível no registro. Contudo, seguindo a doutrina com relação à alteração de regime de bens no casamento, a mudança no regime de bens da união estável deveria seguir o mesmo trâmite. Esta é uma questão sem resposta até o momento.
Sei que muitas questões vão surgir daqui pra frente, especialmente quando estivermos falando de relacionamentos de pessoas idosas com patrimônio ou que se relacionem com pessoas que seus filhos ou netos desaprovem.
As questões familiares são sempre complexas, pois falamos de direitos que se originam nas relações humanas e isso implica em expectativas, frustrações, planos e imprevistos para além do que podemos controlar.
Tem algumas questões que gosto sempre de lembrar e não custa fazer novamente. A pessoa idosa que constitui patrimônio ao longo da vida, é a única detentora dos direitos relacionados a ele.
Ela não poderia ser tolhida de usar e dispor de seus bens em nome de uma “futura herança”. Já basta a garantia dada aos herdeiros com relação à “legítima” que preserva o direito dos herdeiros ao patrimônio em situações específicas (que não vou aprofundar aqui).
Variantes existem aos montes e pra cada uma delas, haverá uma orientação diferente. Por isso é importante que você procure orientação jurídica.
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